domingo, 26 de janeiro de 2020

INVENÇÃO DOS PREGADORES: O ERRO CRISTOLÓGICO



     I.  A  INVENCIONICE

     Vivemos  numa  era  em  que  muitas  invenções  têm  sido  criadas  por  "animadores  de  auditório".  Estes  visam  o  emocionalismo  do  povo,  e,  para  fazer  isso,  não  temem  nem  mesmo  "ir  além  do  que  está  escrito"  (1 Co  4.6). O  célebre  Martin  Loyde  Jones  (1899-1981)  certa  vez  afirmou  como  eram  os  "pregadores-modelo"  de  sua  época:

São  aqueles  que  divertem  o  povo,  manipulam  suas  emoções,  afirmam  sempre  coisas  agradáveis  e  não  comprometem  a  sua  autoestima. Devem  ser  bem  preparados  na  arte  de  divertir  e  impressionar;  e,  para  isso,  os  recursos  mais  usados  são  as  experiências,  histórias  comoventes  e  frases  de  efeito.

      E  nessa  cognominada  "arte  de  impressionar"  incluem-se  as  invencionices.  A  vontade  dos  animadores  de  auditório de  emocionar a  platéia  é  tanta  que  levam-os  ao  ridículo,  porquanto  pregam  um  sermão  abarcado  de  gritarias,  boatos que  nunca  estiveram  na  Bíblia, tentativas  de  animar  o  auditório  e  constante  emprego  de  gracejos.  Diante  de  tantos  artifícios,  pergunto:  e  a  obra  que  cabe  ao  Espírito  Santo?  O  mensageiro  de  Deus  não  deve  ser  um  animador  ou  motivador  de  auditório!  Sua  missão,  antes,  é  transmitir  a  mensagem  de  Deus  com  escrúpulos,  temor  e  seriedade.  E  o  Santo  Espírito  encarregar-se-á  de  introduzir  a  Palavra  nos  corações.

  II.   O  Erro  Cristológico    


     Um  dos  exemplos  de  invencionice  mentecapta  dos  dias  atuais  —  que  nos  focaremos  neste  artigo —  é  o  grande  erro  cristológico  de  que  Jesus  pregou  no  inferno  para  a  salvação  dos  espíritos  perdidos, e,  subsequentemente,  tomou  as  chaves  do  Diabo  e  esmagou-lhe  a  cabeça. Aqueles  que  propagam  essa  tese  paradoxal  apresentam  alguns  textos  bíblicos  que  supostamente  endossam  suas  teses  infundadas.  Analisaremos  a  seguir  os  textos,  utilizando  o  método  hermenêutico  crítico  textual.

•  E  porei  inimizade  entre  ti  e  a  mulher  e  entre  a  tua  semente  e  a  sua  semente;  e  esta  te  ferirá  a  cabeça,  e  tu  lhe ferirás  o  calcanhar   (Gn 3.15)

      Em  primeiro  lugar,  o  verbo  do  texto  em  apreço  é  "ferir",  e  não  "esmagar".  Isso  porque,  de  acordo  com  a  Palavra  de  Deus,  o  Diabo  ainda  não  foi  derrotado  por  completo  — esmagado.  Ele  está  julgado  (Jo  16.11),  e  na  cruz  Jesus  o  feriu,  vencendo-o  por  antecipação  (Cl  2.14,15).  No  dia  em  que  Satanás  for  vencido  (ou  esmagado)  definitivamente,  o  Senhor  o  esmagará  debaixo  dos  pés  da  Igreja:  E  o Deus  de  paz  esmagará  em  breve  Satanás  debaixo  de  vossos  pés  (Rm  16.20).   Logo,  a  utilização  do  texto  supracitado  para  estribamento  da  tese  inautêntica  de  que  Jesus  foi  ao  inferno  e  "esmagou  o  Diabo"  é,  sem  dúvida,  muito  equivocada.

•  Porque  também  Cristo  padeceu  uma  vez  pelos  pecados,  o  justo  pelos  injustos,  para  levar-nos  a  Deus;  mortificado,  na  verdade,  na  carne,  mas  vivificado  pelo  Espírito;  no  qual  também  foi  e  pregou  aos  espíritos  em  prisão;  os  quais  noutro  tempo  foram  rebeldes,  quando  a  longanimidade  de  Deus  esperava  nos  dias  de  Noé,  enquanto  se  preparava  a  arca;  na  qual  poucas  (isto  é,  oito)  almas  se  salvaram  pela  água   (1 Pe  3.18-20)

       Em  primeiro  lugar,  convém  observarmos  que  há  uma  coparticipação  no  texto  suprareferido  de  Jesus  e  o  Espírito  Santo.  O  primeiro  operou  por  meio  do  segundo.  Em  segundo  lugar,  a  obra  que  foi  realizada  pelos  dois  deve  ser  entendida  de  modo  que  não  venhamos  a  admitir  conceitos  antibíblicos  —  como  o  de  que  houve  uma  "segunda  chance"  àqueles  espíritos  aprisionados,  enquanto  a  Escritura  é  clara  e  enfática  na  afirmação  de  que,  "depois  da  morte,  segue-se  o  juízo"  (Hb  9.27). Por  conseguinte,  aqueles  que  estão  presos  no  Hades  —  o  receptáculo  dos  espíritos  separados  de  Deus  —  já  estão  condenados;  contudo,  receberão  o  juízo  definitivo  por  ocasião  do  Juízo  Final  (Ap  20.11-15).  Cristo  iria  contra  a  Sua  Palavra  se  desse  segunda  chance  àqueles  espíritos!

         Como,  então,  devemos  entender  esse  texto?  À  luz  de  uma  boa  hermenêutica  e  exegese.  Para  começar,  o  termo  grego  para  "pregar",  na  passagem em  foco,  denota  evangelização;  anúncio  e  apregoamento  das  boas  novas.  Isso  é  confirmado  no  decorrer  da  epístola  de  Pedro  (cf.  1  Pe  4.6).  Logo,  a  "pregação"  de  Jesus   por  intermédio  do  Espírito  Santo  era  de  teor  evangelístico.  Sendo  assim,  essa  pregação  não  poderia  ter  sido  dirigida  aos  infiéis  já  no  Hades;  do  contrário,  Cristo  iria  contra  Sua  Palavra.  Essa  pregação  só  pode  ter  sido  feita  enquanto  aquelas  pessoas  ainda  estavam  vivas,  no  tempo  de  Noé.  Decerto,  é  plausível  que  o  "Espírito  de  Cristo"  houvesse  impelido  Noé, o  pregoeiro  da  justiça  (2  Pe  2.5),  a  anunciar  a  salvação  àquela  sociedade  impura,  devassa  e  depravada  de  seu  tempo.  Ademais,  o  próprio  apóstolo  Pedro  deixou  claro  que  o  Espírito  Santo  era  aquele  que  usava  os  profetas.  Isso  foi  enfatizado  tanto  na  primeira  quanto  na  segunda  epístola  petrina  (1  Pe  1.12;  2 Pe 1.21).  Portanto,  Noé  falou  inspirado  pelo  Espírito  de  Jesus,  e  pregou  para  a  salvação  dos  rebeldes   —  os  quais  desdouraram  por  completo  a  sua  mensagem,  satirizando-a.  A  utilização  do  termo  "espíritos  em  prisão"  por  Pedro  ocorre  pelo  fato  de  que,  quando  o  apóstolo  escreveu  sua  carta,  aqueles  que  na  época  da  pregação  de  Noé  estavam vivos  já  eram  espíritos  apriosionados,  perdidos.  Isso  não  significa  que  Noé  lhes  pregou  naquela  condição,  mas  sim que  eles  estão  nela  atualmente;  assim,  Pedro  estava  relatando  a  condição sobre-horrenda daqueles  que,  quando  vivos,  ouviram  a  pregação  de  Noé  e  a  rejeitaram.

•  E  eu,  quando  o vi,  caí  a  seus  pés  como  morto;  e  ele  pôs  sobre  mim  a  sua  destra,  dizendo-me:  Não  temas;  Eu  sou  o primeiro  e  o  último;  e  o  que  foi  morto,  mas  eis  aqui  estou  vivo  para  todo  o  sempre.  Amém.  E  tenho  as  chaves  da  morte  e  do  inferno  (Ap  1.17,18) 

       Notemos,  primeiramente,  a  frase  enfática  de  Jesus:  tenho  as  chaves  da  morte  e  do  inferno.  Ela  não  abre brecha  para  interpretações  mentecaptas  e  paradoxais  como  a  de  que  Cristo  tenha  tomado-as  do  Diabo.  Muito  pelo  contrário, pois  o  texto  em  foco  indica-nos  que  as  "chaves"  que  o  Senhor  Jesus  possui  são  suas  por  direito,  e  não  conferidas  por  outrem.  Além  do  que,  "chave",  nas  Escrituras,  denota  uma  posição  de  autoridade  e  domínio  (Is  22.22).  Portanto,  quando  Cristo  diz  que  "tem  a  chave  da  morte  e  do  inferno",  estava  afirmando  que  possui  todo  o  domínio,  poder  e  autoridade  sobre  eles.  É  paradoxal  a  ideia  de  que  esta  "autoridade"  de  Jesus  tenha  sido  tomada do próprio Diabo!  

        Aliás,  a  concepção  de  que  Jesus  tomou  as  chaves  do  inferno  das  mãos  do  Adversário   além  de  não  ser  bíblica  —  é  totalmente  infundada,  porque  parte  do  pressuposto  de  que  Satanás  dominava  o  inferno  o  que  não  é  verdade.  Conquanto  o  inferno  desde  sua  fundação  tenha  sido  o  lar  dos  demônios,  ainda  antes  da  morte de  Cristo  na  Cruz  do  Calvário  há  menções  de  que  tão  somente  o  Senhor  exercia  domínio  sobre  aquele  local  (Mt  10.28).  Desde  o  começo,  o  Senhor  possuiu  a  chave  (i.e.,  o  domínio)  da  "morte"  e  do  "inferno";  até  mesmo  os  demônios  reconhecem  isso,  estremecendo  ante  a  Seu  grandioso  poder  (Tg  2.19).   


   III.   Houve  "Festa  no  Inferno"?  

    Um  dos  maiores  erros  que  os  animadores  de  auditório  têm  propagado  é  o  de  que,  com  a  morte  vicária  de  Cristo  na  Cruz,  houve  "festa"  e  "folguedo"  no  inferno; grandes  comemorações  e  festanças  que  prolongaram-se  por  três  dias    quando  Cristo  repentinamente  aparece,  dá  cabo  a  festa,  esmaga  a  cabeça  de  Satanás  e  toma  a  chave  de  suas  mãos.  

    A  tese  de  que  houve  uma  "festa  no  inferno"  trata-se  de  uma  aberração.  Em  primeiro  lugar,  os  demônios  não  comemorariam  algo  que  tanto puganaram  para  que  não  ocorresse     a  morte  expiatória  de  Cristo.  No  estopim  de  suas  tentativas,  Satanás  chegou  ao  ponto  de  usar  Pedro  para  falar:  "Senhor,  tem  compaixão  de  ti  mesmo;  de  modo  nenhum  te  acontecerá  isso  [a  morte  na   cruz]"  (Mt   16.22);  deveras,  Pedro,  persuadido  pelo  inimigo  de  Deus,  repreendia  Jesus,  para  que  não  morresse  (Mc  8.32).  Ademais,  o  que  representa  a  "mensagem  da  cruz"?  Não  é,  porventura,  a  salvação  ao  mísero  e  ignóbil  pecador,  mediante  o  sacrifício  vicário  Daquele  que  "não  conheceu  pecado"  (2  Co  5.21)?   Como  os  demônios  poderiam  se  alegrar  com  isso?  

     A  Bíblia  revela  que  com  a  morte  de  Cristo  ocorreu  justamente  o  contrário:  o  inferno  se  estarreceu,  e  não  se  alegrou. De  fato,  com  a  obra  sacrossanta  da  expiação  o  Senhor  Jesus  "triunfou  sobre  as  potestades  e  principados"  (Cl  2.15);  e,  ainda,  o  escritor  aos  Hebreus  diz-nos  que  Cristo  com  Sua  morte  "aniquilou  o  Diabo"  e  libertou  os  que  a  ele  estavam  sujeitos  (Hb  2.14,15).  Quem  em  sã  consciência  dirá  que  isso  é  motivo  do  inferno  fazer  festas?  O  inferno  estaria  comemorando  sua  própria  perca  e  derrota? Além  do  mais,  a  obra  que  Cristo  efetuou  no  Calvário  representava  a  consumação  do  plano  salvífico  do  Pai.  Por  isso  o  Senhor  exclamou:  Está  consumado!  (gr.  tetelestai  -  Jo  19.30).  
     É,  portanto,  um  absurdo  a  tese  de  que  o  inferno  se  "alegrou"  com  a  consumação  do  plano  da  salvação:  a  morte  vicária  do  Senhor. 


   IV.  Conclusão

    Conforme  vimos,  as  invencionices  dos  "animadores  de  platéia"  tem  gradativamente  aumentado;  e  o  povo,  sem  relutância  alguma,  ingere  esses  ensinamentos,  que  são  verdadeiros  "ventos  de  doutrina"  (Ef  4.14).  Isso  só  mostra  a  carência  vigente  em  nosso  meio  de  ensinos  verdadeiramente  bíblicos,  ortodoxos  e  verazes.  Esta  é  a  única  maneira  de  expurgarmos  esses  ensinos  heterodoxos  de  nosso  meio:  com  a  exposição  pura  e  genuína  das  Sagradas  Escrituras;  sem  quaisquer  invencionices  para  "emocionar"  a  platéia.  Aqueles  que  alteram  o  que  está  escrito  no  Santo  Livro  com  o  intuito  de  compelir  a  emoção  do  público  hão de  ser  severamente  repreendidos  pelo  Todo-Poderoso  (Pv  30.6;  Ap  22.18,19). Portanto,  assumamos  o  compromisso,  diante  do  Senhor,  de  pregarmos  somente  a  Sua  soberana  e  insigne Palavra!  (cf. 2 Tm 4.1,2  ss).

Por:  Daniel  Cardoso.

BIBLIOGRAFIA

SILVA,  S.P.  Apocalipse:  Versículo  por  Versículo.  39ª  imp.  Rio  de  Janeiro:  CPAD,  2018.

ZIBORDI,  C.S.  Erros  que  os  pregadores  devem  evitar.  19ª  imp.  Rio  de  Janeiro:  CPAD,  2012.  

______________.  Paulo:  O  Príncipe  dos  Pregadores.  1ª  ed.  Rio  de  Janeiro:  CPAD,  2019.  

                         
                                                                                                      
     
     

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