I. Introdução
De fato, é maravilhoso e explêndido o operar do Espírito Santo na vida dos salvos. Ele impele-nos à santidade, e, através de Seu fruto (Gl 5.22), nos transmite o caráter de Cristo, tornando-nos cada vez mais parecidos com Ele.
Foi o Espírito do Senhor quem nos fez nascer de novo, pelo poder da Palavra (cf. Jo 3.5). O verdadeiro cristão, portanto, que dá lugar ao Espírito Santo, tende a sempre progredir mais, "de glória em glória" (2 Co 3.17), andando em santificação. Ademais, não por acaso, o Espírito do Senhor é chamado nas Escrituras de "Espírito de Santidade" (cf. Rm 1.4).
Entretanto, por mais que tenhamos sido salvos da culpa do pecado pela justificação e do seu domínio pela santificação, não fomos, ainda, livres da presença do pecado. Ele não domina-nos; contudo, ainda está presente no cotidiano dos crentes, em virtude de eles, ainda, estarem neste mundo decaído e com uma natureza pecaminosa — com a qual têm de pugnar com melindrosos combates, diuturnamente.
Nesta luta constante e colossal, infelizmente há vezes em que a carne prevalece, levando-nos ao pecado. Quando isso acontece, uma tristeza e angústia grandíssimas apoderam-se dos crentes. E isso acontece porque o pecado não é nem um pouco normal à nova natureza que Deus nos deu, a "natureza divina" (2 Pe 1.4).
Contudo, para esta angústia e agonia a Santa Escritura dá uma solução: a confissão de pecados, somados a um coração genuinamente arrependido e quebrantado diante de Deus, que almeja o Seu perdão (1 Jo 1.8,9). Quando fazemos isso, temos a garantia do perdão divino mediante Cristo, o Fiel advogado dos crentes (1 Jo 2.1,2).
No que concerne a este tema, explana-lo-emos pela Santa Escritura, a ver o conceito bíblico sobre o arrependimento e a confissão e a importância dos mesmos na busca do cristão por santidade.
II. O Que é "Arrependimento" à Luz da Bíblia?
"Arrependimento" é a tradução da palavra hebraica nachum, cujo significado denota um sentimento de profunda tristeza, angústia e contrição. Há ainda outra palavra hebraica — shuwb — que descreve ainda com mais precisão o que é arrepender-se: "mudar de rumo". Com efeito, o réu arrependido muda de rumo, de direção e de comportamento.
As Escrituras ensinam que somos todos pecadores, depravados pelo pecado (Sl 14.2,3; 53.2,3; Mq 7.2; Rm 3.10-12), e que, conseguintemente, carecemos do perdão divino. Por conta disso, Deus, através do Evangelho, "anuncia agora a todos os homens em todo o lugar que se arrependam" (At 17.30), e creiam no Senhor Jesus Cristo para a salvação (Rm 10.9).
Por conseguinte, "arrependimento", em termos bíblicos, significa uma contrição que leva o pecador ao concerto com o Todo-Poderoso, pedindo-Lhe misericórdia e disposto a "mudar de rumo", para andar de acordo com a vontade do Senhor.
III. A Realidade do Pecado e a Atitude do Cristão Frente a Isso
Mesmo depois de salvos, infelizmente, os crentes ainda notam a presença do pecado em suas ações.
A luta árdua dos fiéis ao Senhor contra o pecado, que "tenazmente nos assedia" (Hb 12.1), é uma realidade inegável. Ele é o nosso inimigo, de quem tanto ansiamos nos livrar — o que de fato ocorrerá, por ocasião da Glorificação (1 Co 15.50-57). Contudo, enquanto estamos na lida terrena, o remédio tem de ser o constante "andar em Espírito" (Gl 5.16); mas, se o crente falhar nisso, a confissão de pecados (1 Jo 2.1).
Explanemos mais a atitude do cristão em relação ao pecado, à luz da Bíblia:
Atitudes Erradas
1) Encobrir o pecado — "O que encobre as suas transgressões nunca prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia" (Pv 28.13). Nunca resista ao apelo do Espírito Santo para o arrependimento. Seja sensível a Ele. Nunca encubra o pecado consigo mesmo. Arrependa-se instantaneamente!
2) Esquivar-se da culpa ou auto-justificar-se. Sabemos que o ser humano possui, congenitamente, o costume de justificar a si mesmo e esquivar-se da culpa sempre que for possível. Ainda no jardim paradisíaco, Adão culpava Eva, e esta, por sua vez, à serpente, por um pecado que ambos deliberadamente cometeram. O cristão deve fugir dessas auto-justificações tolas, oriundas da soberba humana. Reconheça que a culpa do pecado é sua, e totalmente sua. Humilhe-se perante Deus; lamente-se de suas misérias! Neste caso, o perdão é garantido (Tg 4.8-10).
Muitos crentes, contudo, ainda resolutos na tola prática da auto-justificação, citam alguns subterfúgios para fazerem isso. Vejamos, contudo, se essas "desculpinhas" suportam-se à luz da Bíblia:
A) Subterfúgio: "a carne é fraca".
Resposta Bíblica: É verdade que a nossa carne é fraca. Jesus afirmou isso (Mt 26.41b). Não obstante, o apóstolo Pedro assegura: "O poder de Deus nos tem dado tudo o que precisamos para viver uma vida que agrada a Ele" (2 Pe 1.3, NTLH). Isso significa que Deus confere ao crente todos os meios da graça necessários para que ele vença o pecado e a tentação. Somos nós, muitas vezes, que não nos apropriamos dessa graça, "andando em Espírito" e, subsequentemente, não cumprindo a concupisciência da carne (Gl 5.16). Portanto, não há desculpas!
B) Subeterfúgio: "a culpa não é minha; é da minha natureza pecaminosa".
Resposta Bíblica: "Abandonem a velha natureza" (Ef 4.22); "E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupisciências" (Gl 5.24). Existe uma história de um motorista que, apanhado em excesso de velocidade, arguiu ao juiz: "Foi a minha velha natureza que estava em excesso de velocidade". Ao que o juiz replicou: "Multo a sua velha natureza em 50 libras por excesso de velocidade, e multo a sua nova natureza em 50 libras por ser conivente com a primeira". Esta ilustração, conquanto tenha suas imperfeições, aponta-nos para o fato de que culpar a velha natureza não é uma boa solução, mas sim o total arrependimento do pecado e a plena consciência da culpa, que levará à humilhação perante Deus.
Por fim, devemos compreender que Deus não aceita nossas vãs e inúteis auto-justificações. Ele quer um coração quebrantado, cônscio de que pecou e ofendeu a Ele, um Ser tão infinito em honra, glória e santidade; um coração contrito, humilhado, e disposto à mudar.
3) Minimizar ou relativizar o pecado. Muitos cristãos, dependendo de seus erros, tendem a relativizar e minimizar o pecado. Em via de regra, isso ocorre quando para a mente humana o erro cometido é trivial demais para ser tratado com demasiada seriedade. Então, dando-lhe o cognome de "pecadinho", muitos crentes relativizam os seus pecados.
Infelizmente, tratamos o pecado com muito descaso, vendo apenas o ato em si e esquecendo contra quem ele é cometido. Nenhum pecado contra Deus pode ser considerado pequeno: ele é uma ofensa contra o Criador dos céus e da terra.
Como pode ser minimizado um ato contra o Ser Supremo, infinito em glória e santidade? Como podemos relativizar uma ofensa contra Deus?
"Ofensa" é o substantivo que o apóstolo Paulo usa por 7 vezes em Romanos 5 para se referir ao pecado (cf. vv. 15-18, 20). Isso mesmo: não importa o quão trivial nos pareça o ato que praticamos, o que fizemos foi literalmente ofender gravemente ao Todo Poderoso.
Em sua essência, o pecado é uma traição intencional, uma rebelião clara e desafiadora contra o Criador do Universo. John Bunyan define-o do seguinte modo:
"O pecado é um desafio à Justiça de Deus, um abuso à Sua misericórdia, uma zombaria à Sua paciência, um ligeiro ao Seu poder e um desprezo ao Seu amor."
A gravidade do pecado é maior do que possamos imaginar. Ele é tão grave que, não por acaso, custou a vida do Filho de Deus. O pecado foi a causa de Deus Pai ter moído Seu Filho na cruz, para propiciar-nos remissão, numa rica demonstração de amor. Foi a causa da morte do Autor da Vida. Sobre isso, um escritor de um certo hino disse, com muita propriedade: "Foi o enorme fardo dos nossos pecados que Te deitou no túmulo, ó Senhor da vida!".
Sim! O peso de nossos pecados deitou nosso Senhor no túmulo. Foram eles a causa de todo o seu sofrimento, que não foi só físico, mas, principalmente, espiritual.
Infelizmente, muitos cristãos ainda possuem em suas mentes a ideia católico-romana acerca da expiação de Cristo, acreditando que Ele pagou o preço por nós ao ser torturado pelos soldados romanos, ou ao sofrer as outras dores físicas inenarráveis que experimentou. Mas não é isso que as Escrituras ensinam. A nossa expiação ocorreu quando os pecados de toda a humanidade recaíram sobre Cristo, que foi oprimido em Sua alma, sendo moído pelo Pai por causa deles: "Todavia, agradou ao Senhor moê-Lo, fazendo-O enfermar, quando Ele der a Sua alma por expiação do pecado" (Is 53.10). Note: a nossa expiação ocorreu não quando os ímpios soldados romanos castigaram Jesus e o oprimiram desumanamente, mas sim quando o Pai o castigou. Contudo, os dois castigos ocorreram de modo simultâneo. Em suma: em seu físico, Cristo padecia as cruéis torturas de seus algozes; e, ao mesmo tempo, em Sua alma o Pai estava moendo-Lhe e oprimindo-Lhe, fazendo com que sobre Ele viesse o peso e o castigo do pecado de toda a humanidade.
Cristo não estava suportando apenas o peso físico da cruz, mas também em Sua alma o peso inimaginável dos pecados da cruel e depravada humanidade. Isso foi necessário para que nossa redenção ocorresse.
Percebemos, deste modo, que o pecado é de sobremaneira gravíssimo aos olhos de Deus, mais do que possamos imaginar ou cogitar. A nossa única esperança, como miseráveis pecadores, é o sacrifício vicário e expiatório que nosso Senhor fez por nós, com o qual Ele pagou o preço por nossos pecados: Mas graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor... (Rm 7.25).
Creia na suficiência do sacrifício de Cristo na cruz. Creia que Ele morreu pelo seu pecado, seja ele qual for, e que isso lhe garante o seu perdão diante de Deus, contanto que se arrependas verdadeiramente, reconhecendo a gravidade do pecado e confiante no poder do sangue de Cristo, que decerto nos purificará: "Mas, se andarmos na luz, como Ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado" (1 Jo 1.7).
Atitudes Corretas
1) Confessar o pecado: "Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça" (1Jo 1.9).
2) Abandonar o pecado: tão importante quanto confessar o pecado é abandoná-lo. Disse o sábio Salomão: "Aquele que confessa e deixa alcançará misericórdia" (Pv 28.13). Observe que a confissão e o abandono do mau são colocados no mesmo patamar àquele que deseja alcançar o perdão divino.
3) Buscar o fortalecimento em Deus: "No demais, irmãos meus, fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder" (Ef 6.10). Precisamos saber que mesmo depois da arrependimento, da confissão e do abandono do pecado, a luta não se finaliza. Por isso, precisamos buscar um constante fortalecimento em Deus. Com o nosso espírito forte e o nosso ser em comunhão renovada com o Senhor, a vitória é certa!
IV. Algumas Dúvidas Recorrentes
1) Como Distinguir o Arrependimento do Remórcio?
Uma dúvida muito frequente tem sido a de como diferenciar o verdadeiro arrependimento de um mero remórcio. Para o correto discernimento dessa questão, é essencial averiguarmos as evidências do arrependimento genuíno.
Em primeiro lugar, o arrependimento genuíno caracteriza-se em sua essência pela tristeza pelo pecado, e não exatamente pela consequência do mesmo. O arrependimento de Davi registrado em Salmo 51 em nenhum momento evoca a questão da morte prematura de seu filho ou das outras consequências de seu erro. Pelo contrário, a tristeza de Davi baseia-se essencialmente no fato de ter ofendido a Deus: "Contra Ti, contra Ti somente pequei; e fiz o que a Teus olhos é mau" (Sl 51.4).
Em segundo lugar, um coração verdadeiramente arrependido busca não somente a segurança do perdão. Ele busca uma mudança total e radical de postura; ele almeja não somente ser perdoado, mas também purificado. Não é por acaso que o apóstolo João incluiu as duas coisas ao falar sobre a confissão (1Jo 1.9). Noutras palavras, o verdadeiro penitente não recorrerá a Deus apenas para ter a consciência aliviada ou para outros fins, quaisquer que sejam. Mas primariamente por ter a consciência de que entristeceu um Deus tão rico em amor e bondade; um Deus tão santo, tão benigno! Essa é a base primária da verdadeira contrição.
Portanto, podemos diferenciar o arrependimento do remórcio pela motivação do indíviduo. Quando há verdadeiro arrependimento, a motivação não é egoísta. Ela é, pelo contrário, motivada pela consciência de ter ofendido ao Senhor; e disso subsequencia-se um sincero desejo de mudança total e completa.
2) Como Diferenciar a "Tristeza Segundo Deus" da "Tristeza Segundo o Mundo"?
O apóstolo Paulo faz essa distinção em 2 Coríntios 7.10. E neste caso a resposta está claramente sintetizada dentro do próprio versículo: "Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza segundo o mundo opera a morte". No contexto, Paulo se regozijara em saber que a Igreja em Corinto havia se contristado por seus pecados com a "tristeza segundo Deus". Isso porque esta tristeza, que é operada em nós pelo Espírito Santo, conduz ao verdadeiro arrependimento — o que resulta em salvação. Por outro lado, há uma outra tristeza que conduz à morte. Neste caso, não é apresentada uma luz no fim do túnel. A pessoa é imersa na culpa de seus pecados e acaba por não mais ver solução para ela mesma e para a sua situação. Isso opera a morte. Mas o Espírito Santo, por mais que mostre a gravidade de nossos erros, sempre apontará a luz no fim do túnel. Ele sempre apontará a saída, a solução, o remédio. Ele sempre atrairá o pecador a Cristo, em contrição, para ser restaurado e perdoado por Ele.
3) O Perdão de Deus é Indefinido?
Sim. Jesus nos ensinou a perdoar "setenta vezes sete" — uma figura de linguagem para dizer "indefinidamente" (Mt 18.22). Ora, se Cristo nos ensinou a perdoar assim, não é lógico que o Seu perdão é também indefinido?
Não há dúvidas de que o Senhor sempre terá prazer em perdoar e restaurar o arrependido! O conhecimento dessa verdade, contudo, não nos deve tornar cristãos negligentes quanto ao pecado. Pelo contrário: o conhecimento dessa maravilhosa graça deve ser o nosso maior estímulo à santidade!
4) É Possível Ser Perdoado Sem Sentir o Perdão?
É maravilhoso quando Deus comunica o Seu perdão e graça aos nossos sentimentos. Contudo, não podemos ser cristãos acostumados com isso. É evidente que Deus nem sempre agirá dessa forma. Não foi à toa que Ele falou em Sua Palavra que andamos "por fé" e não pelo que sentimos ou vemos (2Co 5.7). Deus quer que saibamos que fomos perdoados. Isso independe dos sentimentos. Seu coração pode muito bem acusá-lo de algo que já foi perdoado, e a orientação das Escrituras nesse caso é apenas confiar na promessa divina, pois "maior é Deus do que o nosso coração" (1Jo 3.20). Fato é que Deus promete perdoar a todos os contritos de coração, que vem a Ele com desejo sincero de mudar. Sua promessa vale muito mais que nossos sentimentos e nosso enganoso coração, que estão profundamente afetados pelo pecado.