terça-feira, 9 de junho de 2020

LIVRO DE JÓ: AS INQUIETAÇÕES DE UM HOMEM FIEL



I.   Introdução  

Qual  o  cristão  no  Ocidente  que  nunca  ouviu  falar  de  Jó,  o  servo  que  mantevesse  fiel  mesmo  diante  das  mais  melindrosas  provações? 

De  fato,  podemos  constatar  que  a  biografia  bíblica  de  Jó  relata  uma  história  épica,  que  fortalece-nos  a  fé.  Ela  nos  conta  a  história  de um  homem  muito  bem-sucedido  e temente  a  Deus,  que  foi  provado  num  ponto  extremo —  e  muito  extremo.  A  linguagem  hiperbólica  usada  por  Jó  —  quando  ele  disse  que  se  o  seu  sofrimento  fosse  pesado  numa  balança  o  peso  excederia  o  da  areia  dos  mares  (Jó  6.2,3)  —  evidencia   o  quão  penosa  era  a  sua  dor. Uma  dor  tão  terrível  que,  não  à  toa,  levou-o  a  perguntar:  É,  porventura,  a  minha  força  a  força  da  pedra?  Ou  é  de  cobre  a  minha  carne?  (Jó  6.12).

Contudo,  a  despeito  das  inquietações  que  tanto  permeavam  a  sua  mente,  Jó  nunca  perdeu  a  sua  fidelidade  a  Deus.  E  é  justamente   esta  qualidade  que  abrilhanta-o  dentre  os  demais  e  torna  da  sua  história  um  relato  épico.  Mesmo  em  meio  às  mais  terríveis  dificuldades  e  vicissitudes  da  vida,  Jó  nunca  perdia  a  fidelidade  ao  seu  Senhor.

Por  conseguinte,   podemos aprender  muito  com  a  história  desse  servo  fiel,  que,  a  despeito  de  suas  inquietações  constantes,  nunca  perdia  a  fidelidade  a  Deus.

II.  A  Ocasião  do  Livro

Embora   hajam   grandes  controvérsias  entre  os  estudiosos bíblicos no  que tange  à  datação  e  ocasião  do  livro  e  dos  eventos  nele  narrados,   a  maior  parte  das  evidências,  indubitavelmente,   apontam  que  os  eventos  aconteceram  por  volta  do  período  patriarcal,   e  mais  precisamente  em  contemporâneidade  com  Jacó  e  seus  filhos.   Escrutinemos  os  indícios:

 •   Os  procedimentos,  os  costumes  e  o  estilo  de  vida  geral  apresentados  no  livro  remetem  diretamente  ao  período  patriarcal  (cerca  1800  a.C.);

 •   Não  há  nenhuma  referência  à  lei  mosaica,  nem  ao  tabernáculo,  ou  a  algum  elemento  histórico  de  Israel,  etc.;  além  do  quê,  nem  mesmo  o  nome  que  Deus  passou  a  se  revelar  a  partir  de  Moisés  (Êx  6.3)  —  o  conhecido  tetragrama  (YHWH)  —  é  mencionado,  mas  somente  o  nome  antigo  pelo  qual  os  patriarcas  conheciam a Deus: El-Shadai,  isto  é,  o  Todo-Poderoso  (cf.  Jó  5.17; 6.14; 8.5;  11.7;  13.3;  15.25;  21.15,20;  22.3,17,23,25,26;  23.16;  24.1;  27.2,11,13;  29.5;  31.35;  33.4;  34.10,12;  35.13;  37.23;  40.2);

•   Tanto  no  começo  quanto  no  final  do  livro  menciona-se  que  era  o  próprio  Jó  quem  oferecia  sacrifícios  a  Deus, o  que  denota  a  ausência  da  classe  sacerdotal  —  o  que,  conseguintemente,  implica  em  Jó  ter  vivido  numa  era  anteior  à  de  Moisés   (cf.  Jó  1.5;  42.7-10);

•   A  longevidade  de  Jó  demanda  que  ele  tenha  vivido  no  período  patriarcal —  haja  vista  ser  esse  um  privilégio  alcançado  somente  nos  dias  dos  patriarcas  (Jó  42.16,17);

•  Depreende-se, ao  lume  dos  indícios,  que  um  dos  "amigos"  de  Jó  apresentados  no  livro  —  a  saber,  Elifaz  (Jó  2.11) —  era  o  mesmo  que  foi  mencionado  em  Gênesis  como  filho  de  Esaú   e como  vivendo  no  período  patriarcal  (Gn  36.3,10).

Portanto,  é  razoável  situar  Jó  ao  período  dos  filhos  do  patriarca  Jacó.  Existem  tradições,  inclusive,  que  o  identificam  como  descendente  de  Naor,  o  irmão  de  Abraão.  

Seja  como  for,  o  fato  é  que  a  narrativa  bíblica  concernente  a  Jó  é  real,  e  não  parabólica  (cf.  Ez  14.14;  Tg  5.11),  e  que  seu  conteúdo  foi  reprisado  numa  carta  paulina,  evidenciando  claramente  a  sua  inspiração  (1  Co  1.19  comp.  Jó  5.12).  Sendo  assim,  há  grandes  coisas  que  podemos  aprender  com  esse  relato  bíblico  verídico.


III.   A  Colossal  Provação  de  Jó

As  Escrituras  mostram-nos  que  Jó  foi  provado  de  forma  muitíssimo  ciclópica.  

A  sua  provação  divide-se  em  duas  fases,  respectivamente:

A  primeira  fase  da  provação  de  Jó  foi  a  que  atingiu  tudo  o  que  estava  ao  seu  redor.  Contudo,  a  principal  área  provada  foram  as  suas  emoções.
Com  relação  às  suas  finanças,  ele  perdeu  em  um  único  dia  todos  os  seus  mil  bois,  as  suas  quinhentas  jumentas,  as  suas  sete  mil  ovelhas  e  os  seus   três  mil  camelos.  Entretanto,  lamentavelmente,  junto  à  perda  de  seus  rebanhos  somou-se  a  morte  de  todos  os  seus  servos,  com  exceção  dos  que  lhe  trouxeram  essa  triste  notícia  (cf.  Jó  1.13-17).
No  entanto,  o  que  mais  mexeu  no  âmago  de  suas  emoções  foi  que,  ainda  no  mesmo  dia,  os  seus  sete  filhos  e  três  filhas  faleceram  (Jó  1.18,19).  Mas,  incrivelmente,  foi  neste  momento  deveras  tão  dorolido  que  Jó  prostrou-se  em  terra  e  adorou  ao  Senhor  (Jó  1.20,21).

Já  na  segunda  fase   da  provação  de  Jó,  ele  mesmo  foi  o atingido,  porquanto  chagas  malignas  lhe  foram  lançadas  por  Satanás,  da  planta  do  pé  até  o  alto  da  cabeça (Jó  2.7). 
 Mais  tarde,  já  em  companhia  de  seus  três  "amigos",   Jó  descreve  um  pouco  de  sua  mui  violenta  dor  e  enfermidade:  O  meu  corpo  está  coberto  de  bichos  e  de  cascas  de  feridas;  a  minha  pele  racha,  e   dela  escorre  pus   (Jó  7.5,  NTLH).  Dolorido,  Jó  tomou  um  pedaço  de  telha  para  raspar  suas  feridas,  e  assentou-se  no  meio  da  cinza  (Jó  2.8).

A  esposa  de  Jó,  vendo  que  ele  continuava  firme  em  sua  fidelidade  a  Deus,  reprimendou  seu  marido  e  o  abandonou  (Jó  2.9).  Mas  Jó  manteve  sua  conduta  irreprensível  perante  o  seu  Senhor:  Em  tudo  isto  não  pecou  Jó  com  os  seus  lábios  (Jó  2.10).  

Contudo,  aprouvera  a  Deus  que  permitisse  ainda  mais  uma  provação  para  Jó:  a  zombaria  de  seus  "amigos".  Ao  invés  de  ajudarem-lhe  com  consolo,  eles  somente  o  culpavam  por  tudo.  

Mas  após  Jó com  suas  fraquezas  ter  vencido  às  provações,  Deus  apareceu  a  ele  e  mudou  o  seu  estado  peremptoriamente.   

 IV.  As  Inquietações  de Jó,  as  Falácias  de  Seus  Amigos  e a   Resposta  do  Senhor

Em  meio  às  desmedidas  dores  de  Jó,  seus  amigos  apareceram  com o  intuito  de  consolá-lo.  Entretanto,   só  de  terem  visto  ainda  em  terra  longínqua   a  sua  aparência  toda  desfigurada,  não suportaram  e  puseram-se  a  chorar,  prostrados  e  com  os  mantos  rasgados.  Seguidamente,  quando  finalmente  aproximaram-se  dele,  assentaram-se  por  sete  dias  e  sete  noites  inteiras, calados,  e  absortos  em  sua  dor  intensa  (cf.  Jó  2.12, 13).

Após  todo  esse  tempo  de  divagação  sobre  a  aflição  de  Jó,  os  diálogos começam.   Jó  inicia-os  com  uma  explosão,  derramando  uma  torrente  de  dor  e  amargura  e  amaldiçoando  a  sua  concepção  e  o  seu  nascimento  (Jó  3).  Depois  disso,  há  um  diálogo  de  três  fases entre  Jó  e  seus  três  amigos,  que  começava  por  ordem  de  idade:  primeiro  Elifaz,  o  temanita;  seguidamente,  Bildade,  o suíta;  e,  depois,  Zofar,  o  naamatita. 

A  Primeira  Fase 

 O  Discurso  de  Elifaz:  Em  seu  discurso,  Elifaz baseou  a  sua posição num  conceito  teológico  muito  crido  no  mundo  antigo:  o  cognominado  princípio  da  retribuição   —  a  ideia  de  que  tudo  que  ocorre  é  fruto  de nossas   ações.  Ele  utilizou  este  conceito  para  arguir  que Jó era  o  culpado  por  tudo  aquilo que  lhe  sobreveio. Na  cosmovisão  de  Elifaz  aquele  sofrimento  de  Jó  era  nada  mais  do  que  um  castigo  de  Deus  para  ele  (Jó  5.17);  destarte,  Jó  devia  arrepender-se  de  seus  pecados  (Jó  5.8).   
Na  conclusão  de  seu  discurso,  Elifaz  utiliza  a  sua  idade  e  experiência  de  vida  para  consubstanciar a  sua  assertiva  (cf.  Jó  5.27). 

A  Resposta  de  Jó: Jó  responde  primeiramente  voltando  a  chamar  a  atenção  de  seus  amigos  para  a  sua  dor e  sofrimento.  Ele  começa  afirmando  hiperbólicamente  que  o  peso  de  suas  aflições,  se  colocadas  numa  balança,  excederiam  o  peso  da  areia  do  mar  (Jó  6.2,3).  Contristado,  Jó  chega  a  até  mesmo  desejar  avidamente  a  morte,  em  virtude  de  não  estar  mais  suportando  tamanhas  tribulações   (Jó  6.8-13).
Depois  deste  lastimoso  desabafo,  Jó  exprime  o  seu  desapontamento  com  a  resposta  de   Elifaz  (Jó  6.14,15),  e  exige  que  ele  lhe  mostre  os  seus  erros,  já  que  o  acusou  (Jó  6.24).
Por  fim,  Jó  roga  clemência  ao  Todo-Poderoso  (Jó  7.1-21).

O  Discurso  de  Bildade:  Bildade  baseia-se  em  três  premissas:

1.  Os  caminhos  de  Deus  são  justos  (Jó  8.3);
2.  Deus  castiga  o  ímpio  e  abençoa  o  justo  (Jó  8.20-22);
3.  Logo,  Deus  é  justo  em  punir  Jó,  pois  seus  filhos  eram  ímpios  (Jó  8.4).

Contudo,  Bildade  deseja  a  restauração  de  Jó.  Para  isso,  então,  lhe  exorta  ao  arrependimento  (Jó  8.5,6).

A  Resposta  de  Jó:  Jó  responde  deixando  explícito  em  sua  retórica  que  ele  também  acredita  que  Deus  é Justo  (Jó  9.2).  

Ele  contrasta  a  grandeza  de  Deus  com  a  sua  pequeneza.  Contudo, ao  fazer  isso  infelizmente  Jó  começou  a  apresentar  noções   de  uma  visão   tirânica  sobre  Deus.  
O  quadro  desesperador  que  Jó  tinha  de  Deus  naquele  momento  era  o  de  um  tirano  que  destruía  arbitrariamente  a  quem  quisesse,  sem  importar  se  tratava-se  de  um  inocente  ou  de  um  culpado;  um  Deus  que  possui  prazer  em  afligir  os  seres  humanos  que  criou  (cf.  Jó  9.22-28;  10.3). 

O  Discurso  de  Zofar:  De  todos  os  amigos  de  Jó,  Zofar  era  o  mais  agressivo  em  seu  temperamento  e,  por  extensão,  em  suas  palavras.   Isso  fica  transparecido  em  todos  os  seus  discursos  —  e  neste  em  especial.   Para  Zofar,  Jó  é  um  mentiroso  e  um  arrogante;  alguém  que  não  queria  reconhecer  seus  erros  (Jó  11.3,4);  sendo  assim,  Jó  estaria  recebendo  menos  do  que  merecia  pela  sua  iniquidade  (Jó  11.5,6).

Como  um  campeão  em  defender  a  tradição  e  um  zelador  à  risca  da  ortodoxia  teológica  da  época,  Zofar  não  aceita  que  Jó  seja  um  inocente.  Para  ele,  Jó  deveria  estar  escondendo  alguma  coisa  que  fez.  Por  isso,  Zofar  adverte-o  para  o  fato  de  que  Deus  vê  tudo  (Jó  11.11).   Na  cosmovisão  deste  intransigente  "amigo"  de  Jó,  a  única  solução  seria  Jó  arrepender-se  de  seus  pecados  (Jó  11.13-19).  Do  contrário,  ele  certamente  morreria  (Jó  11.20).

A  Resposta  de  Jó:  Jó  responde  o  discurso  colérico  de  Zofar  com  uma  ironia:  Sem  dúvidas  vocês  são  o  povo,  e  a  sabedoria  morrerá  com  vocês!  (Jó  12.1,  NVI).  Jó  rebate  esta  jactância  de  seus  amigos, em  pressuporem  que  eles  são  os  "detentores  da  sabedoria",  enquanto  Jó  não  sabia  nada.  Jó  responde:  Não  vos  sou  inferior...  (Jó  12.3;  13.2).

Após  um  sucinto  discurso  tratando da  grandeza  e  soberania  do  Todo Poderoso  (Jó  12.7-25),  Jó  expressa  o  seu  anseio  por  um  encontro  pessoal  com  esse  Deus,  para  dialogar  com  Ele  sobre  as  suas  aflições  (Jó  13.2).  Esta  esperança  é  o  consolo  de  Jó.  Já  os  seus  amigos,  diz  ele,  "são  médicos  que  não  valem  nada",  haja  vista  as  palavras  com  que  se  dirigiam  a  Jó,  que serviam  mais  para  acusá-lo  do  que  para  consolá-lo  (Jó  13.4).  Eles  tentavam  transparecer  sabedoria  de  forma  debalde,  pois  a  atitude  mais  sábia  que  poderiam  tomar  era  o  silêncio  (Jó  13.5).

Contudo,  já  que  seus  amigos  lhe  acusavam  tanto  de  haver  cometido  pecado, mas  não  apontavam  qual  era,  Jó  recorre  a  Deus,  inquirindo  a  Ele  sobre  qual  seria  a  sua  transgressão e  o  motivo  de  seu  sofrimento  (Jó  13.23-28).

Mas,  infelizmente,  Jó  permanecia  resoluto  na  sua  visão  tirânica  sobre  Deus  (cf.  Jó  14.19-22).


A  Segunda  Fase

O  Discurso  de  Elifaz:  Em  seu  segundo  discurso,  Elifaz  se  mostra  mais  impaciente  com  Jó.   Ele  o  adverte  duramente  (Jó  15.2-6),  e  o  trata  como  um  ímpio  e  um   arrogante.  Nessa  reprimenda,  Elifaz  admoesta  Jó  de  que  a  dureza  de   coração  traz  graves  consequências.  Ele  aconselha  Jó  a  parar  de  justificar  a  si  mesmo  (Jó  15.31),  pois  assim  Jó  estaria  enganando-se,  e  o  seu  fim  seriam  as  maldições  que  cabem  aos  perversos  (cf.  Jó  15.17-35).

Novamente,  Elifaz  utiliza  a  sua  idade  avançada  e  a  sua  experiência  de  vida  para  endossar  a  sua  tese  (cf.  Jó  15.10).

A  Resposta  de  Jó:   Jó  inicia  sua  resposta  a  Elifaz  acusando  seus  amigos  de  falta  de  compaixão  e  misericórdia.  Ele  convida-os à possuirem  um  pouco  de  empatia,  imaginando-se  no  lugar  dele.  Jó  diz:  Bem  que  eu  poderia  falar  como  vocês,  se  estivessem  em  meu  lugar;  eu  poderia  condená-los  com  belos  discursos,  e  menear  a  cabeça  contra  vocês.  Mas  a  minha  boca  procuraria  encorajá-los;  a  consolação  dos  meus  lábios  lhes  daria  alívio  (Jó  16.4,5  -  NVI).  Jó,  como  amigo,  jamais  condenaria  e  zombaria  de  seus  amigos,  sobretudo  num  momento  tão  dorolido  como  aquele.  Contudo,  seus  "amigos"  não  tinham  essa  noção  empática.  Eles  eram,  na  verdade,  grandemente  apáticos.   
Sabendo  disso,  Jó  perde  toda  esperança  de  receber  alívio  por  parte  de  seus  companheiros.  Ele  sabe  que  eles  não  estão  dispostos  nem  à  ouvi-lo  nem  à  confortá-lo,  mas  tão-somente  à  condená-lo. Então,  Jó  dirige  agora  os  seus  diálogos  a  Deus,  o  Todo-Poderoso;  apelando-Lhe  para  averiguar  a  sua  inocência.  

Jó  aspirava  por  um  árbitro  entre  Deus  e  a  humanidade  (Jó  16.21;  17.3).  Felizmente,  esta  solicitação  foi  atendida  cerca  de  2.000  anos  mais  tarde,  na  pessoa  bendita  de  Cristo,  o  único  e  suficiente  Mediador  entre  Deus  e  os  homens  (cf.  1  Tm  2.5).  

O  Discurso  de  Bildade:  Bildade  inicia  seu  segundo  discurso  considerando  tolas  as  palavras  de  Jó  e  até  mesmo  zombando-o  (cf.  Jó  18.1-4).  Bildade  prenuncia  que  Jó  é  um  pecador  endurecido,  um  perverso;  assim  sendo,  o  seu  fim  é  a  destruição,  não  havendo  arrependimento  (Jó  18.5-21).

A  Resposta  de  Jó:  Mais  uma  vez,  Jó  apela  aos  seus  amigos  para  serem  mais  empáticos  com  ele.  A  bem  da  verdade, Jó  impressiona-se  de  que  eles  não  tenham  tido  vergonha  do  modo  como  estavam  o  tratando  (cf.  Jó  19.3b).   Jó  reprisa  o  fato de  que,  ainda  que  ele  estivesse  errado,  não  deveria  ser  tratado  daquela  maneira  (Jó  19.2,4;  cf.  6.14).  

Jó  ainda  possuia  noções  tirânicas  sobre  Deus  (cf.  Jó  19.5-22).  Contudo,  ele possuia  a  esperança  de  que,  no  final,  ele  seria  inocentado  perante  o  Senhor:  Porque  eu  sei  que  o  meu  Redentor  vive,  e  que  por  fim  se  levantará  sobre  a  Terra  (Jó  19.25).
Por  fim,  Jó  dá   uma  clara  admoestação  aos  seus  amigos  (Jó  19.28,29).  Desta  vez,  ele  não  somente  lastima  o  modo  como  eles  lhe  tratavam,  mas  os  adverte de  que  Deus  é  Juiz  Justo  e  castiga.

O  Discurso  de  Zofar:   Zofar  não  deixou  de  ser  aquele  homem  colérico  em  exuberância.  Pelo  contrário:  suas  palavras  ainda  demonstram  uma  grande  fúria  contra  Jó.

Zofar  ficou  perturbado  com  os  discursos  de  Jó,  e  assegurou  refutá-los  (Jó  20.1-3). Ele  "fez"  isso  descrevendo  as  calamidades  que  os  ímpios  sofrem.  Ele  anuncia  sobre  o  fim  trágico  dos  perversos  e  dos  hipócritas,  e  inclui  Jó  nessa  categoria  de  pessoas  (Jó  20.4-29).  
Este  foi  o  último  discurso  de  Zofar,  que,  devido  à  sua  ira  extremada,  deixou  de  respondê-lo.

A  Resposta  de  Jó:  Após  fazer  novamente  um  apelo  para  que  seus  amigos  o  ouçam  (cf.  Jó  21.1-6),  Jó  muda  o  foco  do  seu  discurso:  ele  para  de  focar  em  suas  aflições,  e  direciona  o  foco  para  o  famigerado  conceito  muito  vigente  na  teologia  da  época:  o  conhecido  princípio  da  retribuição.  Jó  pretende  refutar  esta  ideia  legalista  de  Zofar  de  que  os  sofrimentos  são  unicamente  destinados  aos  ímpios;  e,  por  sua  vez,  o  bem  aos  justos.  Jó  demonstra  claramente  que  os  ímpios  muitas  vezes  são  bem-sucedidos,  e  nenhum  mal  lhes  acontece  —  contrariando  Zofar  (Jó  21.7-33).  

Infelizmente,  ainda  existem  nos  dias  atuais  falsos  profetas  que  propalam  esses  ensinos  heréticos  de  Zofar,  apregoando  que  aos  justos  não  pode  acontecer  nada  ruim,  uma  vez  que  isso  é  destinados  somente  aos  ímpios.  O  crente  deve  ser  rico,  bem  de  saúde,  completamente  próspero,  etc.;  caso  contrário,  há  algo  de  errado  com  ele.  Esse  evangelho  maldito,  conhecido  popularmente  como   Teologia  da  Prosperidade,   foi  desde  aquela  época  reprovado  por  Deus  (cf.  Jó  42.7-9).


Terceira  Fase

O  Discurso  de  Elifaz:  Em  seu  último  discurso,  Elifaz   simplesmente  ignora  os  argumentos  apresentados.  Em  vez  disso,  ele  acusa  Jó  de  alguns  pecados  específicos  (Jó  22.1-11)  —  que  mais  tarde  foram negados por Jó (cf.  Jó  31).  
Elifaz  deixa  bem  clara  a  sua  visão,  não  muito  diferente  da  de  seus  outros  amigos:  a  única  esperança  para  Jó  é  o  arrependimento  (Jó  22.21-30).

A  Resposta  de  Jó:  Assim  como  Elifaz  ignorou  seus  argumentos,  Jó  agora  ignora  os  seus  amigos.  Ele  volta  a  apelar  para  Deus.  

Em  seu  discurso,  percebe-se  claramente  o  anseio  de  Jó  por  um  encontro  pessoal  com  Deus  (Jó  23.1-17).  A  sua  solicitação  foi  atendida  pelo  Senhor  (cf.  Jó  38-41).  Assim,  podemos  afirmar  com  certeza  que  as  duas  solicitações  que  Jó  fez  em  vida  foram  atendidas:  a  primeira  —  a  por  um  encontro  pessoal  com  Deus,  desejo  que  era  muito  manifestado  em  seus  discursos  (cf. Jó  13.22;  23.1-17;  31.25);  e  a  segunda  —  a  por  um  ábitro  entre  Deus  e  a  humanidade  (Jó  9.33;  16.21;  17.3;  19.25;  cf.  1  Tm  2.5).  Deus  atende  às  orações!

Já  prosseguindo  no  monólogo,  Jó  continua  a  desmantelar  a  errônea  doutrina  da  retribuição  (Jó  24.1-17).  Por  mais  que  seu  amigo  Elifaz  tenha  ignorado  seus  argumentos,  ele  deseja  que  seus  amigos  cogitem  sobre  as  falácias  de  suas  teologias.

O  Discurso  de  Bildade:  Em  seu  último  discurso,  Bildade  baseia-se  sucintamente  em  duas  proposições:

1.  Ninguém  pode  discutir  com  Deus  (Jó  25.2,3, 5,6); e 
2.  Ninguém  pode  afirmar  que  é  puro  diante  de  Deus  (Jó  25.4).

Estas  duas  proposições,  somadas  em  conjunto,  conduzem  à  seguinte  conclusão:  nem  de  longe,  Deus  ouviria  Jó.
Mas,  felizmente,  esta  conclusão  estava  errada.

A  Resposta  de  Jó:  Jó  fica  irritado  com  seus  amigos,  especialmente  com  Bildade  (Jó  26.1-4).  Ele  exalta  o  poder  de  Deus  (Jó  26.5-14),  mas  ainda  é  resoluto  na  confissão  de  sua   inocência  (Jó  27.1-6).  Embora  não  creia  na  doutrina  da  retribuição,  Jó  ainda  exprime  a  convicção  de  que,  no  final,  os  ímpios  hão  de  ser  punidos,  pois  Deus  é  Justo  e  misericordioso  (Jó  27.7-23).   

Jó  sabia  que  Deus  tinha  uma  reposta  a  tudo  aquilo;  ademais,  Ele  é  infinito  em  sabedoria;  Ele  é  o  detentor  perpétuo  dela  (Jó  28).  Somente  Ele  pode  resolver  as  questões  irrespondíveis  da  vida.

Contudo,  de  uma  coisa  Jó  tinha  certeza:  o  seu  sofrimento  não  se  devia  a  algum  pecado,  mas  continha  alguma  razão  mais  profunda  que  somente  Deus  conhecia  (Jó  29.1—31.40).

O  Discurso  de  Eliú

Findado  o  discurso  de  Jó,  os  seus  três  amigos  cessaram  de  respondê-lo  (cf.  Jó  32.1).  Então  Eliú,  um  jovem  que  estva  acompanhado  junto  dos  três  amigos  de  Jó para  escutá-los,  ficou  enfurecido.  A  sua  ira  devia-se  ao  fato  de  os  três  amigos  de  Jó  —  homens  idosos  —  não  terem  descobrido  a  razão  do  sofrimento  de  Jó;  todavia,  mesmo  assim  condenavam-no  (Jó  32.1—33.1-7).

Eliú  segue  a  cosmovisão  de  Bildade  quando  diz  que  não  podemos  pedir  explicações  a  Deus  por  aquilo  que  acontece  (Jó  33.12,13).  O  resultado  dessa  tese  seria  invariavelmente  o  mesmo:  Deus  não  ouviria  o  clamor  de  Jó.

Eliú  demonstrou-se  completamente  imparcial  em  seu  discurso.  Ele  foi  contra  a  atitude  dos  amigos  de  Jó,  e  os  reprimendou  (Jó  32.6-10),  mas  também  foi  contra  o  próprio  Jó,  e  o  repreendeu  severamente  (cf. Jó  34.5-9,  31-37).  

Para  Eliú,  aqueles  sofrimentos  faziam  parte  de  uma  disciplina  educacional  de  Deus  para  Jó.  Em  sua  percepção,  aquilo  era  sim  o  resultado  do  pecado  de  Jó  —  que  não  queria  reconhecer   isso  por  sua  arrogância  (Jó  35.14-16).  

Por  fim,  Eliú  descreve,  grosso  modo,  o  grande  poder  de  Deus,  com  o  objetivo  de  instigar  Jó  a  temê-lo  (Jó  36.1—37.24).

A  Resposta  do  Senhor

Quando  finalmente  todos  terminaram  de  arguir,  Deus  vem  em  um  redemoinho  e  responde  a  Jó  (Jó  38.1).  É  importante  salientarmos,  contudo,  que  a  resposta  de  Deus  não  pretendia  ser  uma  explicação  para  os  sofrimentos  de  Jó,  mas  sim  contrastar  a  Onipotência  de  Deus  com  a  impotência  de  Jó.  E  Deus  faz  isso  descrevendo  a  grandeza  da  Terra   (38.2-18),  a  complexidade  dos  céus  (38.19-38),  e  as  criaturas  que  Ele  criou  (38.39—39.30).  Tudo  isso  tornou  Jó  mais  humilde  (Jó  40.3-5),  e  fê-lo  reconhecer  que  Deus,  como  Senhor  e  Soberano,  está  numa  posição  infinitamente  maior  do  que Jó.  Como  disse  o  apóstolo  Paulo,  os  juízos  de  Deus  são  insondáveis;  e,  os  seus  caminhos,  inexcrutáveis  (Rm  11.33).

Agora  Jó  é  confrontado  pela  santidade  e  grandeza  do  Todo-Poderoso.  Os  resultados  são  notáveis:  Jó  perde  de  uma  vez  por  todas  as  noções  erradas  que  ele  tinha  sobre  Deus  (como  a  tirania  e  prepotência  divina,  por  exemplo).  Agora,  diz  ele,  Te  vêem  os  meus  olhos  (Jó  42.5).  Com  essa  experiência,  tudo  mudou!

Seguidamente,  Deus  repreende  os  três  amigos  de  Jó,  por  terem  falado ideias  errôneas  sobre  Ele  (Jó  42.7-9).  Mas  nada  diz  referente  a  Eliú.  Deus  não  confirma,  não  reconhece,  não  repreende,  nem  responde  a  Eliú.  

Enquanto  Jó  orava  pelos  seus  amigos,  Deus  mudou  o  seu  cativeiro  peremptoriamente  (Jó  42.10).  Deus  restituiu  tudo  em  dobro  a  Jó,  e  fê-lo  viver  por  mais  longos  dias  (Jó  42.12-17).


V.  Conclusão


Satanás  estava  errado.  Jó,  de  fato,  amava  a  Deus  incondicionalmente,  e  era  fiel  a  Ele,  mesmo  com  suas  inquietações  intensas  e  constantes.

Com  esta  história  épica  podemos  aprender  que:

•  Deus  é  Soberano,  e,  por  vezes,  não  conseguimos  entender  os  seus  caminhos.  Mas,  ainda  assim,  devemos  nos  sujeitar  a  Ele  e  repousar  em  Seu  infinito  amor  e  cuidado  para  conosco;

•  Devemos  ser  fiéis  a  Deus  a  qualquer  custo,  e  aconteça  o  que  acontecer;

•   Deus  galardoou  a  Jó;  e,  do  mesmo  modo,  galardoará  aos  fiéis,  porque,  quanto  mais  tribulações  passarmos,  maior  será  o  peso  de  glória  que  em  nós  será  revelado  na  eternidade  (2  Co  4.17).  Jamais  esqueça:  vale  a  pena  ser  fiel!

O  reconhecimento  de  Deus  a  Jó  não  se  limitou apenas a uma  geração  (cf.  Ez  14.14).    Deus  reconhece  o  fiel,  e  mantém  seu  compromisso  com  ele  para  sempre!


Por:  Daniel  Cardoso.


      

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